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segunda-feira, 30 de agosto de 2010

QUE BOM QUE VOCÊ EXISTE!








CARTA AOS PUROS


Ó vós, homens sem sol, que vos dizeis os Puros

E em cujos olhos queima um lento fogo frio

Vós de nervos de nylon e de músculos duros

Capazes de não rir durante anos a fio.



Ó vós, homens sem sal, em cujos corpos tensos

Corre um sangue incolor, da cor alva dos lírios

Vós que almejais na carne o estigma dos martírios

E desejais ser fuzilados sem o lenço.



Ó vós, homens ilumidados a néon

Seres extraordinariamente rarefeitos

Vós que vos bem amais e vos julgais perfeitos

E vos ciliciais à idéia do que é bom.



Ó vós, a quem os bons amam chamar de os Puros

E vos julgais os portadores da verdade

Quando nada mais sois, à luz da realidade,

Que os súcubos dos sentimentos mais escuros.



Ó vós que só viveis nos vórtices da morte

E vos enclausurais no instinto que vos ceva

Vós que vedes na luz o antônimo da treva

E acreditais que o amor é o túmulo do forte.



Ó vós que pedis pouco à vida que dá muito

E erigis a esperança em bandeira aguerrida

Sem saber que a esperança é um simples dom da vida

E tanto mais porque é um dom público e gratuito.



Ó vós que vos negais à escuridão dos bares

Onde o homem que ama oculta o seu segredo

Vós que viveis a mastigar os maxilares

E temeis a mulher e a noite, e dormis cedo.



Ó vós, os curiais; ó vós, os ressentidos

Que tudo equacionais em termos de conflito

E não sabeis pedir sem ter recurso ao grito

E não sabeis vencer se não houver vencidos.



Ó vós que vos comprais com a esmola feita aos pobres

Que vos dão Deus de graça em troca de alguns restos

E maiusculizais os sentimentos nobres

E gostais de dizer que sois homens honestos.



Ó vós, falsos Catões, chichibéus de mulheres

Que só articulais para emitir conceitos

E pensais que o credor tem todos os direitos

E o pobre devedor tem todos os deveres.



Ó vós que desprezais a mulher e o poeta

Em nome de vossa vã sabedoria

Vós que tudo comeis mas viveis de dieta

E achais que o homem alheio é a melhor iguaria.



Ó vós, homens da sigla; ó vós, homens da cifra

Falsos chimangos, calabares, sinecuros

Tende cuidado porque a Esfinge vos decifra...

E eis que é chegada a vez dos verdadeiros puros.
                                               (Vinícius de Moraes)


  
 Poeta do amor e da comunhão, participou de toda a renovação da música brasileira em parceria com os grandes compositores do país. A vida, considerada por ele a "arte do encontro", tinha o sentimento de mistura e comunhão. Vinícius de Moraes passou a vida rompendo convenções sociais. Passou da poesia culta para a popular, misturando ritmos brancos com negros, samba com candomblé e o comportamento aristocrático com o boêmio. Derrubou convenções também na área literária, usando o soneto após a revolução modernista de 1922, que cassava a composição dos 14 versos. Diplomata de carreira, escandalizou a sociedade ao dar entrevistas cantando com um copo na mão. Em parceria com Tom Jobim, sua peça ‘Orfeu do Carnaval’, ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes, ao ser transformada por Marcel Camus no filme ‘Orfeu Negro’. Mais tarde junto a Tom Jobim e João Gilberto criou a bossa-nova, um dos principais movimentos de renovação musical do Brasil. Entre os sucessos de Vinícius, destacam-se ‘Tarde de Itapoã’, ‘Garota de Ipanema’ e clássicos da MPB, como ‘Marcha da Quarta-Feira de Cinzas’, ‘Samba da Benção’ e outros. Vinícius de Moraes morreu aos 66 anos, em 9 de julho de 1980, no Rio de Janeiro, mas suas obras sobrevivem até hoje. Qualquer que seja a análise feita da obra de Vinícius de Moraes, não se pode escapar das palavras "mudança", "evolução", "transição". Sua poesia, além de ser a encarnação do movimento e do transitório, elege a busca como motor primordial: do divino, da coisa ordinária, do homem concreto, do homem social, do homem banal, do amante e, sobretudo, da mulher. Poeta viril e terno, transcendental e carnal, caudaloso e contido, ele fez de sua obra o lugar do encontro e da despedida. Talvez, nenhum outro poeta personifique tão bem e ao mesmo tempo o apolíneo e o dionisíaco, tanto na obra quanto na vida: ao lado da sobriedade e da lucidez já bem precoces, surge e cresce o espírito da embriaguez e da entrega total, em nome da reflexão e da vitalidade que reinam em sua poesia. Enfim, não importa que Vinícius parta do etéreo para chegar ao real, o que mais vale em sua obra é a busca da fusão com a vida. Quando Vinicius morreu Drummond fez essa declaração: “Ele fora o único a viver como poeta!





ÓTIMA SEGUNDA A TODOS! BJSSSS...RENATA LOBO



ESCLARECIMENTO

"Os poetas não são azuis nem nada, como pensam alguns supersticiosos, nem sujeitos a ataques súbitos de levitação. O de que eles mais gostam é estar em silêncio - um silêncio que subjaz a quaisquer escapes motorísticos e declamatórios. Um silêncio... Este impoluível silêncio em que escrevo e em que tu me lês"
Mário Quintana

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