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terça-feira, 9 de novembro de 2010

PRECE

ILUSTRAÇÃO- EVA UVIEDA
"Com gentileza, abrando os meus ruídos. Diminuo o volume da tagarelice exaustiva dos pensamentos. Permito que a minha respiração se acalme até ficar macia. Sinto o meu coração com o contentamento de quem reencontra um amigo muito querido. Começo a visualizar um lugar bem bonito. Desenho nele árvores e plantas, utilizando diferentes combinações de cores e tamanhos para suas folhas, flores e frutos. Desenho rios, lagos, cachoeiras, e também montanhas e pedras de vários tons e formatos. Pinto o céu com o azul mais vivo que pulsa na minha memória e solto nele pássaros das mais variadas espécies.
Desenho uma bola dourada que vibra, imensa, dentro desse azul. Tão vívida, que só por desenhá-la o meu corpo estremece, num arrepio de ternura, pela energia que ela emana. Levo para esse lugar os animais dos quais consigo lembrar e os espalho em todos os cantos, livres e felizes. Retiro de uma caixa cheia de delicadezas o pote que contém a mistura dos sons e perfumes que se harmonizam, em frequência, com o que eu já criei. Abro a tampa do pote, jogo essa mistura mágica no ar e acendo tudo com os acordes e o cheiro da paz.
Entro nesse lugar. Caminho sem pressa e paro onde o meu coração me pede. Olho. Ouço. Sinto. Existe nele uma calma muito semelhante àquela que experimentei nos momentos de puro amor que já vivi. Há um sorriso sereno em meu rosto que se espalha em ondas por dentro, até que, de repente, eu me transformo nele: não sei mais onde ele acaba nem onde eu começo. Com os meus pés tocando, firmes, o chão, sinto o toque da brisa que acaricia meus cabelos. O calor do sol que pousa suavemente na minha pele e acende, acorda, colore tudo. Sinto que sou livre, saudável e harmônica, como cada pequeno detalhe que vibra ao meu redor. Sinto-me irmanada com cada um deles. É como se cada detalhe estivesse dentro de mim e eu estivesse dentro de cada um. Não há nada separado de nada. Há uma única e generosa pulsação de vida.
Antes de ir embora, olho mais uma vez para esse lugar que criei, para onde posso retornar sempre que quiser. Para descansar dos desafios cotidianos. Para me perfumar com essa paz. Para me banhar com essa luz. Podemos escolher o que queremos criar. Onde demoramos mais os nossos olhos. Com o que alimentamos o nosso coração. O que propagamos sutilmente no mundo.

Ver com amor também é um jeito de prece!"
ANA JÁCOMO




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